Exposição no Museu Judaico de São Paulo revela legado de judeus marroquinos que imigraram ao Brasil a partir de 1810, com cerâmica típica de alta qualidade, marcando camadas sociais de tempo passado, e escapando da Inquisição.
Foram necessários dois anos de pesquisa para cavoucar as camadas de tempo e espaço que encobriam a história da migração judaico-marroquina para a floresta amazônica, agora trazida à tona na exposição do Museu Judaico de São Paulo. A descoberta é uma das muitas em um patrimônio que se expande.
Um dos aspectos mais interessantes da história da migração judaica para a Amazônia é a sua especificidade em relação ao contexto geral do movimento migratório do Brasil. Enquanto a maior parte da imigração estrangeira no país foi dirigida a áreas urbanas ou a regiões de maior desenvolvimento econômico, os judeus marroquinos se estabeleceram em uma região relativamente remota, a floresta amazônica. Isso os levou a desenvolver uma cultura única, que misturava elementos de sua herança judaica com as tradições indígenas e coloniais da região. Por outro lado, a menor presença de comunidades judaicas em outras partes do Brasil contribuiu para a manutenção de uma identidade cultural específica, diferente daquela encontrada em outras regiões do país.
Memórias da migração judaica na Amazônia
Mais de 200 itens, como obras de arte históricas, vídeos e documentos, recuperam a memória da migração judaica na Amazônia, ocorrida entre 1810 e 1930. Essa imigração específica foi motivada por fatores econômicos, sociais e políticos, incluindo a aridez das terras marroquinas e a abundante floresta amazônica. Os imigrantes não se estabeleceram apenas nas capitais Manaus e Belém, mas também em Parintins e Itacoatiara, no Amazonas, e Gurupá e Cametá, no Pará.
Uma tradição de comércio
Eles seguiam uma tradição de comércio, adentrando os estados como mascates dos rios (os chamados ‘regatões’), em embarcações que não raro traziam nomes judaicos como Levy ou Bennaroch. Esses imigrantes traziam consigo uma rica cultura judaica, que reverberou em costumes locais ao longo do tempo. A exemplo da estrela de cinco pontas na fronte do Boi Caprichoso, do Festival de Parintins, que seria uma alusão à estrela de Davi, emblema desenhado ou afixado aos escudos dos guerreiros do rei Davi, na tradição judaica.
Referências explícitas
Também existem referências explícitas à própria estrela, como aquela pintada em um vaso da típica cerâmica da Ilha do Marajó, no Pará. Ou mesmo evidências desveladas literalmente a facão, como as ‘necrópoles verdes’ judaicas, encontradas na floresta, como é o caso do Cemitério Judaico de Gurupá, descoberto em 2017, na região do Baixo Rio Amazonas. Em processo de tombamento, esses cemitérios apontam que, embora não tivessem uma prática religiosa em sinagogas, aqueles imigrantes queriam ser enterrados como judeus.
Uma exposição multidisciplinar
Um projeto de tal monta dificilmente sairia do papel não fosse a multidisciplinaridade de sua curadoria, de que fazem parte Aldrin Moura de Figueiredo (historiador), Renato Athias (antropólogo), Mariana Lorenzi (Coordenadora de Curadoria e Participação do MUJ) e Ilana Feldman (professora, pesquisadora, ensaísta e curadora independente). Foi Ilana quem plantou a semente para a exposição quando assumiu a curadoria geral do museu, em 2021, ano de sua inauguração, antes de se tornar professora adjunta na Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ).
Fonte: @ NEO FEED
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